Ato para lembrar os seis meses da desocupação

Mal o dia amanhecia e lá estávamos enfrentando o frio de uma manhã de inverno para voltar a colocar os pés na estrada rumo a São José dos Campos, onde iríamos rever o povo lutador do Pinheirinho. Reencontro que, só de imaginar como seria, fez com que perdêssemos a noite de sono. Era impossível dormir com as lembranças dos dias em que fomos voluntários no mutirão do CONDEPE para colher as inúmeras denúncias de violações de Direitos Humanos sofridos por estes homens e mulheres na violenta operação de reintegração de posse executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

A viagem serviu para marcar o princípio de um projeto bastante audacioso do qual tomamos parte e tocaremos de modo independente. Ainda na estrada que liga São Paulo a São José, entre um e outro dos três pedágios tucanos em trecho de 90km, fizemos um breve vídeo amador para falar dos objetivos do dia e dar a notícia do projeto que apenas começávamos a trabalhar e já queríamos ver pronto o mais rápido possível.

A ideia é fazer um documentário de 25 a 30 minutos contando a história da reintegração de posse do Pinheirinho, mas sobretudo, destacando o que ocorreu um ano depois de toda a truculência policial que vitimou crianças, mulheres, idosos e homens pobres que simplesmente defendiam seu direito à moradia.

Para realização do projeto, a ajuda de todos os amigos e pessoal da Internet será fundamental. Trabalharemos com muito esforço e dedicação, colaborando voluntariamente e colocando dinheiro de nossos próprios bolsos para ver esse projeto frutificar, mas por enquanto ainda não podemos falar muito sobre ele. Em breve maiores detalhes, aguardem!!!

A ATO DE APOIO DOS SEIS MESES DEPOIS DA DESOCUPAÇÃO DO PINHEIRINHO

Quando chegamos à Câmara Municipal de São José dos Campos o ato já havia começado e Marrom, líder comunitário do Pinheirinho, falava sobre as inúmeras dificuldades que eles estão enfrentando para encontrar uma nova localidade para realojar o pessoal do Pinheirinho. Todos temem o prazo final do benefício do Aluguel Social, que termina em dezembro. A grande maioria dos moradores não tem condições de pagar aluguel sem este benefício e, desta maneira, voltariam a ficar na rua, vivendo com seus filhos em condições precárias.

Logo depois, a palavra foi dada a Renato Simões, do CONDEPE, que deu notícias sobre o relatório final do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos a respeito das inúmeras violações ocorridas na reintegração de posse. Informou que o relatório foi concluído e que, nos próximos 15 dias, deverão ser amplamente divulgados, contendo a tipificação e o detalhe dos crimes cometidos pela Polícia, sendo considerados culpados o governador Geraldo Alckmin, o prefeito de São José dos Campos Eduardo Cury, o comandante da Polícia Militar responsável pela operação, a juíza Márcia Faria Mathey Loreiro, dentre outros.

Na sequência, depoimentos de moradores falando das dificuldades de adaptação às novas casas, os traumas deixados pela operação de reintegração nas crianças, as perdas dos móveis, eletrodomésticos e materiais de construção e o mais doloroso, a perda de objetos com valores sentimentais. A mãe de um jovem fez um depoimento emocionado de que não teve tempo para salvar o único DVD que lhe restava do filho que havia morrido antes da desocupação da comunidade. Aquela era a única lembrança que restava de seu filho morto e agora está perdido para sempre. Que preço se pode estipular para uma perda como essa?

Elisângela, outra moradora que fez uso da palavra, lembrou da importância das mulheres se manterem unidas e seguirem na luta. Deu notícia da criação de um grupo denominado MÃES DO PINHEIRINHO, que passará a fazer reuniões regulares daqui por diante. O objetivo do grupo é organizar a resistência pela luta do direito à moradia de todos, mas em especial das mulheres que, em grande parte são mães e cuidam de seus filhos e filhas com muita batalha, em boa parte das vezes, sozinhas. Por isso conclamou a todas a não sumirem das reuniões de bairro e assembleias, comparecerem e permanecerem unidas.

Muitos outros depoimentos de moradores e falas de autoridades seguiram no plenário da Câmara e, novamente, o coração foi ficando pesado de tantas e tantas violações aos direitos humanos mais básicos e dificuldades pelas quais estão passando essas pessoas. Depois de mais alguns minutos, o ato foi dado como encerrado e passamos então a fazer o contato com as pessoas que poderão nos ajudar nos próximos meses na realização de nossos objetivos com o documentário. Tivemos grande êxito e todos nos felicitaram pela iniciativa e se propuseram a ajudar com o que puderem. Em pouco tempo concluímos nossas atividades e nos despedimos de todos. Por volta das 15h deixamos a Câmara em busca do merecido almoço.

Antes de sairmos do prédio, fomos procurados por uma moradora que, que ao saber do blog e do projeto do documentário, quis dar seu depoimento pessoal e, dessa maneira, acabou por se transformar em nossa primeira entrevistada do projeto de documentário. Carmem de Jesus, 55 anos, moradora do Pinheirinho praticamente desde o princípio, em 2005, falou das agressões que sofreu, das dificuldades de agendar tratamento médico e dos mal tratos vividos nos quase 20 dias em que passou no abrigo da prefeitura com seu neto até que conseguisse alugar uma casa com o dinheiro do aluguel social. Lembrou que a dificuldade em encontrar a casa se deu porque assim que houve a desocupação do Pinheirinho, os valores dos aluguéis em São José tiveram um aumento, uma vez que os moradores passariam a contar com o dinheiro do aluguel social e mais dinheiro estaria circulando na cidade. Além disso, havia um enorme preconceito por parte de quem iria alugar que, se desconfiasse que os futuros inquilinos fossem ex-moradores do Pinheirinho, simplesmente desistiam do contrato de aluguel.

Carmem vive sozinha, não tem marido. Também não tem um emprego formal e ganhava a vida vendendo as coisas que plantava em seu quintal, quando morava no Pinheirinho. Se desespera com a ideia de que o benefício será cortado em dezembro, pois não tem condições de pagar aluguel na cidade de São José dos Campos nos atuais preços. Lembra que mesmo com o benefício do aluguel social, ainda precisa complementar com dinheiro do próprio bolso para manter as contas da casa em dia. Fala que o neto pergunta todos os dias quando voltarão para Pinheirinho, e que ainda treme de medo quando escuta um helicóptero ou vê um policial.

Foram dez minutos de conversa, mas o suficiente para sair da Câmara com o coração apertado e novamente confuso e sem entender por que um governo decide se voltar contra seus próprios cidadãos. Por que atacar de maneira tão impiedosa crianças, idosos, mulheres, jovens e homens que estavam ali reivindicando o seu direito de moradia. Por quê?

Retornamos a São Paulo já com muitos contatos, informações, fotos e precioso depoimento de Carmem. Daremos início formal a nosso projeto e teremos muitas atividades para concretizá-lo até o fim deste ano. Espero mesmo poder contar com a ajuda de todos e que, por volta do Natal, nosso presente seja o trabalho final para o lançamento do documentário. Até lá, vocês vão ouvir falar muito de Pinheirinho por aqui, pois EU NÃO VOU ESQUECER!!!

Seis meses se completaram da barbárie ocorrida no Pinheirinho e muito pouco foi feito para ressarcir essas pessoas, vítimas de um Estado violento e opressor. Não nos calaremos até que os culpados sejam punidos e os moradores sejam devidamente ressarcidos e indenizados por seus prejuízos morais e materiais. SOMOS TODOS PINHEIRINHO!!!