Por José Rogério Beier – direto de São José dos Campos/SP
A ÚLTIMA TERÇA-FEIRA, dia 22 de janeiro, marcou o primeiro ano desde a violenta reintegração de posse do terreno do Pinheirinho realizado pela Polícia Militar de São Paulo. A desocupação deixou mais de 1500 famílias desabrigadas na cidade de São José dos Campos, causando muito sofrimento e dor a mais de oito mil pessoas que viviam no terreno. Passado um ano desde a desocupação, essas pessoas seguem sem uma solução definitiva com relação a moradia adequada e, pior, continuam sofrendo diversos tipos de violências como preconceito e discriminação, desintegração da família, péssimas condições de moradia e dificuldades para encontrar emprego, dentre outras.
A equipe que está produzindo o documentário PINHEIRINHO – UM ANO DEPOIS foi até São José dos Campos acompanhar o ato realizado em frente ao antigo terreno do Pinheirinho, com o objetivo de registrar mais esse encontro dos ex-moradores que seguem em sua luta por moradia e querem lembrar a todo Brasil que, um ano depois, ainda permanecem desabrigados e, mais do que nunca, a luta deve continuar, pois a luta deles não é mais só do Pinheirinho, mas de todos os sem-teto desse país.
Embora o ato estivesse marcado para ocorrer as 18h no Centro Poliesportivo Fernando Avelino Lopes, em frente ao terreno da antiga ocupação do Pinheirinho, a equipe chegou antes ao local para observar as diversas atividades que ocorriam a todo momento por ali. Equipes de reportagem das televisões, a cada instante, solicitavam entrevistas a um ex-morador e gravavam suas matérias em frente ao terreno. Muitas pessoas que passavam com seus carros por ali e viam a movimentação, manifestavam-se: ora positivamente, ora negativamente. Conforme o horário do ato ia se aproximando, ex-moradores iam chegando em frente ao terreno e se surpreendiam ao saber que o ato não seria na rua, mas dentro do Poliesportivo. Conversamos com alguns deles que diziam estranhar o fato de a manifestação se realizar dentro de um equipamento da prefeitura. Para eles, o ato deveria ocorrer na rua em frente ao terreno, mesmo que tivesse que fechá-la e atrapalhar o trânsito. Um ex-morador me confidenciou que muita gente não participaria do ato justamente por estar sendo realizado no Centro Poliesportivo. Dizia que naquele lugar muita gente do Pinheirinho havia sido agredida logo depois da desocupação, pois ali funcionou um centro de triagem da prefeitura e que as pessoas que haviam passado por ali, não querem nunca mais voltar àquele lugar que só lhes trazem lembranças ruins. Para essas pessoas, a resistência do Pinheirinho tem que estar nas ruas e não em equipamentos municipais.
Por volta das 18h, saímos da rua em frente ao terreno e nos dirigimos ao Centro Poliesportivo. O local estava ainda bastante vazio e, conversando com um dos organizadores do evento, fomos informados de que por ser uma terça-feira, dia útil, muita gente ainda se encontrava trabalhando e que logo mais o ato estaria cheio. O tempo foi passando e a previsão do organizador estava parcialmente correta. É verdade que chegou bastante gente, mas muitas dentre as pessoas que chegavam, não eram moradores do Pinheirinho, mas sim estudantes, equipes de reportagens, integrantes de movimentos sociais e partidos políticos, além de algumas pessoas que vinham de São Paulo para acompanhar o ato e engrossavam o número de participantes do evento. Estimamos que por volta de 400 a 500 pessoas teriam marcado presença no ato e, desses, talvez menos da metade fossem de ex-moradores do Pinheirinho. Perguntamos a alguns dos moradores presentes no ato a razão disso e eles novamente nos deram como explicação o fato do evento ser realizado dentro do Poliesportivo. Além disso, outro fator determinante que teria desestimulado o interesse de alguns moradores participarem do ato, seria a sensação de que a manifestação daria muito mais espaço aos políticos do que aos moradores, o que de fato acabou acontecendo, como testemunharíamos horas mais tarde.
Passados alguns minutos, o carro de som começou a chamar as pessoas para perto do palco, pois o ato começaria dentro de alguns instantes. Os presentes se aproximaram e, por volta das 18h45, o ato começa com a informação de que as inscrições para quem desejava falar estavam abertas e que havia uma mesa responsável por organizar as falas até as 20h30, quando o ato seria encerrado. Passaram pelo microfone, muitos dos políticos que estiveram envolvidos com o Pinheirinho desde antes mesmo da desocupação, quanto tentavam evitar que as famílias fossem despejadas do Pinheirinho: Antonio Donizete, Marco Aurélio, Adriano Diogo, Tonhão Dutra, Eduardo Suplicy e Ivan Valente, dentre outros.
Antonio Donizete, o Toninho, falou que no ano de 2013, enquanto não houvesse solução definitiva para as famílias do Pinheirinho, havia necessidade de lutar pelo reajuste do aluguel social, uma vez que o valor atual, de R$ 500,00, é insuficiente para alugar uma casa adequada em São José dos Campos. Além disso, Toninho também informou que estão sendo negociados com a Caixa Econômica Federal dois terrenos em São José dos Campos para abrigar ex-moradores do Pinheirinho: um em Bom Retiro e outro em Interlagos. Por fim, Toninho salientou que, embora terrenos fossem negociados, seria importante e muito significativo se a luta prosseguisse até que conquistasse como resultado, senão o terreno todo, ao menos a desapropriação de uma parte do Pinheirinho que fosse destinada à moradia de parte dos ex-moradores que foram expulsos daquele terreno em 2012.
Outras políticos e líderes de movimentos sociais foram passando pelo microfone, até que a palavra foi dada ao Deputado Estadual Adriano Diogo, que começou sua fala propondo a todos que fizéssemos um minuto de silêncio em homenagem ao senhor Ivo Teles, ex-morador do Pinherinho morto depois da desocupação em decorrência de ferimentos que teriam sido provocados pela violência policial utilizada durante a reintegração de posse. Em seguida, retoma sua fala parabenizando os moradores pela resistência e lembrando que aquela se tratava da maior escola de luta por moradia do Brasil e, por isso, não poderia terminar com a vitória de Naji Nahas.
Mais pessoas vão passando pelo microfone para deixar sua solidariedade e parabenizar os moradores do Pinheirinho por sua luta e resistência, até que foi anunciada a presença de Sara Al Suri, militante da revolução síria que acompanha de perto a luta por moradia adequada no Brasil. Sara contou aos participantes do ato da trágica realidade de seu país, onde mais de 60 mil pessoas foram mortas pelo regime ditatorial de Bashir Al Assad, lembrando que a população síria também sente diariamente a perda de suas casas, terras e vida. Para Sara, a mesma luta está sendo travada em Damasco e no Pinheirinho, pois em ambos lugares as pessoas são vitimadas pela violência do capitalismo, que é internacional. Acredita que da mesma forma como age o capitalismo, a força, a persistência e as lutas dos trabalhadores também deve ser internacional. Só dessa maneira há uma possibilidade de vencer.
O ato se aproximava dos seus momentos finais quando foram anunciadas as presenças de Ivan Valente e do Senador Eduardo Suplicy, que relembraria todos os acontecimentos que marcaram a negociação para que não houvesse a reintegração de posse do Pinheirinho. Além disso, trouxe uma vez mais à tona o absurdo caso de estupro e violência sexual sofrido por moradores da região do Pinheirinho que, segundo a denúncia, foram atacados por policiais militares que rondavam o bairro dias depois da desocupação. O caso, que foi denunciado pelo senador em Brasília e levado ao conhecimento do governador de São Paulo pelo próprio Suplicy, ainda não teve nenhuma solução e, sequer, qualquer pronunciamento por parte do governo, que havia prometido máximo rigor na apuração. Assim como os casos de David Washington Furtado e Ivo Teles, este é outro dos tenebrosos casos de violência que cercam o Pinheirinho.
O ato foi muito importante para marcar um ano desde a reintegração de posse do Pinheirinho. O terreno, desde então, continua vazio e as pessoas que ali moravam, seguem desabrigadas. A data não podia passar em branco e a organização do evento está de parabéns por relembrar ao Brasil que a luta do Pinheirinho ainda continua. Também entendemos que é bastante importante saber que os políticos que participaram do ato, se posicionam claramente ao lado dos ex-moradores do Pinheirinho na luta por uma solução definitiva para a moradia dessas mais de 8 mil pessoas (e não de hoje, mas desde antes da reintegração de posse ocorrer). Apesar disso, esperávamos que o ato fosse marcado pela participação dos ex-moradores como personagens principais das atividades que ali se desenrolariam, o que infelizmente não aconteceu. Foi impossível não sair com uma sensação de desapontamento ao constatar que, tal como alguns moradores haviam nos adiantado, o ato do Pinheirinho no Poliesportivo acabou dando muito mais um espaço aos políticos do que aos ex-moradores. De nossa parte, fica a esperança de uma aprendizagem para a organização dos próximos eventos. É importantíssima a presença dos políticos para dar mais força a luta dos ex-moradores do Pinheirinho, mas também é importante garantir o espaço e a participação dos moradores nesses eventos. Sem a presença ativa deles, certamente os eventos ficarão bastante esvaziados, quer de pessoas, quer de significado.